Nas imagens sobre o Brasil produzidas pelos viajantes estrangeiros, a "família brasileira", assim nomeada, consiste em um senhor, sua mulher, filhos ou filhas e, invariavelmente, alguns escravizados. Assim são as gravuras produzidas pelo inglês Henry Chamberlain (1796-1844) e pelo francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), sendo a primeira provavelmente inspirada em obra do português Joaquim Cândido Guillobel (1787-1859).

A Brazilian Family

Em seu álbum Views and Costumes of the City and Neighbourhood of Rio de Janeiro, publicado em Londres em 1821, Chamberlain comenta a gravura (acima) intitulada Uma família brasileira: "Na observância das práticas exteriores da religião, os brasileiros são exatamente como seus ancestrais portugueses. Nos domingos e dias santos, podem-se vê-los – o elemento feminino principalmente – vestidos com todo o aprumo, seguindo para a missa. Aqui, vemos uma pequena família da classe média, que supomos estar de volta da igreja. O pai toma a dianteira, acompanhado de perto pelos dois filhos mais velhos, aos quais se seguem a esposa e a criada. (...) A pequena distância, caminham os criados negros, a quem confiam a guarda do caçula, do cãozinho de estimação e do guarda-chuvas" (Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820, tradução de Rubens Borba de Moraes, Livraria Kosmos, Erich Eichner & Cia. Ltda. Rio de Janeiro, São Paulo, 1943).

Famille allant à la Messe

Bastante parecida, a gravura de Debret (acima), intitulada Família indo à missa, mostra praticamente os mesmos personagens, inclusive o bebê no colo e o guarda-chuva: "Segundo o antigo hábito observado nessa classe, o chefe de família abre a marcha, seguido, imediatamente por seus filhos, colocados em fila por ordem de idade, indo o mais moço sempre na frente; vem a seguir a mãe ainda grávida; atrás dela sua escrava de quarto (...); seguem-se a ama negra, a escrava da ama, o criado negro do senhor, um jovem escravo em fase de aprendizado, o novo negro recém-comprado" (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016). Os escravizados sempre aparecem junto a essas famílias e as suas próprias raramente aparecem.

Nº 45 Família indo a missa

Na gravura acima, do pintor brasileiro Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive (1816-1863), as mulheres vestem preto, provavelmente pelo luto do homem ausente, mas os escravizados e o guarda-chuva estão presentes. Já na do alemão Eduard Hildebrandt, a família branca vai sozinha à missa (abaixo).

A Family Going to Mass

Essas imagens que se repetem criaram a percepção dominante da família brasileira como branca, patriarcal, nos moldes europeus, mas obviamente as famílias que aqui viviam tinham diversas configurações. As diferentes etnias indígenas variavam entre a monogamia e a poligamia, mas sobretudo a vivência em comunidade era mais importante que o núcleo familiar. Ainda assim, algumas imagens ganharam de alguns europeus o título de "família".

Une famille des Botocudes en route

O príncipe alemão Maximilian zu Wied-Neuwied (1782-1867) retrata (acima) uma família indígena, da etnia chamada pelos portugueses de botocudos, atravessando um rio. Debret também dedicou uma gravura (abaixo) a uma família desse mesmo grupo, além de ter feito outra imagem do que chama de "família de um chefe camacã" (abaixo), duas etnias que viviam na região de Minas Gerais.

Famille de botocoudos en marche
Famille d'un chef Camacan se préparant pour une fête

Já as famílias de escravizados não receberam atenção especial dos artistas viajantes. Elas aparecem diluídas nas imagens das famílias brancas, apesar de terem existido lado a lado, frequentemente dentro da mesma propriedade. Dependentes da permissão de seus senhores para poder oficializar as uniões, os casais de escravizados muitas vezes viviam juntos de maneira informal. "De acordo com diversos estudos, a lógica do escravismo moderno levou os senhores a não estimularem as uniões sacramentadas de seus escravos. Assim, afirma-se nesses estudos que, nas regiões regularmente abastecidas pelo tráfico de africanos parecia mais lucrativo comprar negros adultos do que criar filhos de escravos: a mortalidade infantil era grande e, além disso, era preciso esperar 10 ou 15 anos para que eles começassem a produzir. Por outro lado, o tráfico negreiro, ao privilegiar o transporte de homens ao de mulheres, gerava um desequilíbrio numérico entre os sexos que diminuía drasticamente as possibilidades de todos os cativos formarem famílias", escreveu a pesquisadora Maria de Fátima Rodrigues das Neves, em seu artigo "A família escrava brasileira no século XIX" (Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, IV (1), 1994). As dificuldades enfrentadas não impediram, obviamente, a formação de laços e o convívio familiar entre eles, como se vê na gravura (abaixo) do pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), intitulada Habitação de negros.

Habitation de négres