O tatu, o tamanduá e a preguiça são os remanescentes atuais do grupo dos xenartros, mamíferos originários da América do Sul há cerca de 60 milhões de anos. O nome do grupo, antes conhecido como edentados, vem do grego xenos, que quer dizer estranho, e arthros, articulação. A articulação estranha é característica desses três animais: suas vértebras têm mais articulações que as de outros grupos de mamíferos e se encaixam de modo diferente, o que possibilita o equilíbrio num tripé formado pelos membros traseiros e pela cauda, no caso dos tamanduás, a melhor distribuição do peso do membro torácico que garante maior facilidade de movimento, para os tatus, e a postura ereta, que favorece os hábitos das preguiças que vivem nas árvores. O nome antigo do grupo, edentados, refere-se a outra característica, a diminuição ou falta completa de dentes e cavidades ósseas na mandíbula.

[Tatu e saruê]

Esses animais, que existem apenas nas Américas, causaram estranheza nos viajantes europeus que estiveram no Brasil porque nunca os haviam visto. O aventureiro alemão Hans Staden (c.1525-1576), que esteve no Brasil duas vezes entre 1547 e 1554, foi um dos primeiros a registrar para os europeus a existência do tatu com a imagem acima. Em seu livro A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no Novo Mundo, a América, que ficou conhecido como Duas Viagens ao Brasil, publicado na Alemanha em 1557, ele escreveu: "Uma espécie de animal chama-se tatu. O tatu mede cerca de um palmo de altura e um palmo e meio de comprimento. Ele é encouraçado no corpo inteiro, exceto na barriga. A couraça é como um chifre, e fecha sobrepondo suas partes, como uma armadura. Tem um focinho pontudo e uma longa cauda e gosta de ficar sobre rochedos. Sua alimentação são as formigas. Tem carne gordurosa. Comi dela com frequência" (Duas viagens ao Brasil : primeiros registros sobre o Brasil, Porto Alegre, Editora L&PM, 2011). O tatu era alimento frequente entre os indígenas no Brasil e passou a ser consumido também pelos europeus que comparavam seu sabor ao do coelho ou do porco, a que estavam acostumados.

[Preguiças]

O espanto que esses animais causavam pode ser percebido no texto dedicado à preguiça escrito pelo frade franciscano André Thevet (1516-1592), em seu livro Les singularitez de la France Antarctique, publicado na França em 1557, e de onde foi tirada a gravura acima. "Se, pois, me encarrego de descrever alguns animais raros e desconhecidos, não se tome isso em outro sentido senão o de satisfazer ao leitor, amante das coisas raras e singulares, as quais a natureza não aprouve distribuir igualmente por todas as partes. O animal de que falo, é, em poucas palavras, tão disforme quanto seria possível crer ou imaginar. Chamam-lhe haü ou haiithi. Tem o tamanho de uma bugia grande da África e o ventre quase arrastando por terra. A cabeça assemelha-se muito à de uma criança. E a face também, como se poderá ver na gravura, adiante, feita à vista do natural. Quando é apanhada, solta suspiros que só um menino grande, ao sentir alguma dor. (...) Outra coisa digna de memória é que ninguém jamais viu comer a esse animal, muito embora os selvagens, conforme me afirmaram, o tenham tido sob observação por longo tempo" (Singularidades da França Antarctica, a que outros chamam de América. Prefácio, tradução e notas Prof. Estevão Pinto. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1944).

Na verdade, a preguiça era chamada pelos indígenas de e elas serviram, e ainda servem, como alimento para algumas comunidades. Mas sua caça nunca foi muito intensa porque era difícil encontrá-la, sempre escondida nos topos das árvores, e também porque era muito dócil e acabava sendo adotada pelos indígenas como animal de estimação.

[Ilustrações zoológicas]

O tamanduá também não escapou de ser caçado para ser consumido pelos indígenas, segundo o jesuíta José de Anchieta, que chegou ao país em 1553, e foi o primeiro a se dedicar a descrever a fauna brasileira. "No compêndio de suas epístolas, é possível encontrar na Carta X (Carta de S. Vicente de 1560) relatos sobre o consumo de diversas espécies. A primeira citada é Trichechus manatus, por ele chamado de 'boi marinho' e atualmente conhecida como peixe-boi. (...) O clérigo também cita o consumo da carne de jacaré (Aligatoridae), capivara (H. hydrochaeris), onça parda (Puma concolor), onça pintada (Panthera onca), tamanduá bandeira (Myrmecophaga tridactyla), anta (T. terrestris), tatu (Dasypodidae) e papagaio (Psittacidae). A carne dos primatas silvestres é tida como apreciada e medicinal", escreveu o zoólogo Hugo Fernandes-Ferreira em sua tese de doutorado "A caça no Brasil - Panorama histórico e atual" (João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2014). A ilustração acima é da obra Historia Naturalis Brasiliae, de Georg Marcgraf (1610-1644) e Willem Piso (1610-1678), publicada em 1648 e principal referência sobre a fauna e flora brasileiras até o século XIX, foi utilizada como uma das fontes para a construção da taxonomia proposta por Carl Lineu (1707-1778) no século XVIII.

Nègres chasseurs rentrant en ville ; Le retour des nègres d'un naturaliste

Na gravura acima, intitulada Negros caçadores voltando para a cidade/ O retorno de negros de um naturalista, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), a preguiça e o tatu aparecem pendurados em varas, junto com um lagarto, aves coloridas e borboletas, mostrando o interesse desses cientistas por esses animais estranhos ou "exóticos". Caçados em nome da fome ou da ciência, tatus, preguiças e tamanduás resistem até hoje no Brasil, embora algumas de suas espécies estejam ameaçadas. As preguiças-de-coleira Bradypus crinitus e Bradypus torquatus, que ocorrem na Mata Atlântica entre Espírito Santo e Rio de Janeiro, a primeira, e entre Bahia e Sergipe, a segunda, estão em risco porque mais da metade da mata nativa das regiões em que vivem foi desmatada ou virou área de pecuária.

[Ilustrações zoológicas]

A mesma ameaça sofre o tamanduá-bandeira, que faz um importante controle na população de insetos já que come cerca de 30 mil formigas e cupins por dia, e está exposto à degradação de seus biomas, a riscos de incêndios e até atropelamentos. Por fim, o tatu-bola-do-nordeste, o menor de todos os tatus, também está na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção porque está perdendo seu habitat, a caatinga e áreas do cerrado, e é vítima de caça ilegal e atropelamentos.