Embora não tenha sido uma criação ou exclusividade do país, a cadeirinha de arruar, ou seja, de sair às ruas, se tornou um símbolo de riqueza e da sociedade escravista brasileira. Nas ruas das antigas capitais, como Salvador e depois o Rio de Janeiro, foi o meio de locomoção mais usado pelas senhoras e senhores ricos ou da nobreza que não gostavam de caminhar no calor pelas ruas cheias de dejetos e pessoas.
A origem da cadeirinha remonta a civilizações antigas como as de Roma e Egito, com registros de 2 mil anos a.C., e a países da Ásia, como a China, onde o uso da cadeirinha, conhecida como palanquim, remonta a 200 anos a.C. No Vaticano, os papas utilizaram o transporte em cadeirinhas até o século XX. No Brasil, esse meio de locomoção chegou pelas mãos dos portugueses que já o utilizavam, como acontecia também na Espanha, na França e na Itália, desde o final do século XVI. Na Europa, entretanto, as cadeirinhas não eram exclusivas da nobreza e foram rapidamente incorporadas a um sistema de aluguel, em que se pagava uma quantia por trecho, principalmente porque ali não havia escravizados para carregar pessoas de graça. Aqui, as cadeirinhas viraram também símbolo de ostentação. As famílias ricas tinham escravizados exclusivos para desempenhar essa função e cadeirinhas enfeitadas com cortinas, laços e bordados, além de muitas vezes ostentarem o escudo familiar impresso na parte posterior.
"No Brasil, em meados do século XVI, a rede foi adaptada como um tipo de locomoção tanto urbana como rural, usada suspensa por um varal de bambu aos ombros de dois índios, tornando-se a precursora da cadeirinha de arruar. Diferente da cadeirinha, o transportado repousava deitado numa rede", escreveu a pesquisadora Amanda de Almeida Oliveira em sua tese "A documentação museológica como suporte para a comunicação com o público: a cadeirinha de arruar do Museu de Arte da Bahia" (Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2018). "Feita comumente de malhas de algodão, de várias cores e adornada com franjas, a rede servia para a condução, por escravos, de damas da classe média. (...) Quando a dama quer parar, os carregadores enterram os paus de suporte no chão, apoiando as pontas de bambu nas forquilhas de ferro, providas para tal fim nas extremidades, até que a patroa resolva prosseguir", observou o inglês Henry Chamberlain (1773-1829) no texto que acompanha a gravura acima, incluída em seu álbum Views and Costumes of the City and Neighbourhood of Rio de Janeiro, Brazil, from drawings taken by Lieutenant Chamberlain, Royal Artillery, during the years 1819 and 1820, with descriptive explanations, publicado em Londres, em 1821.
A rede, utensílio de origem indígena, desconhecido dos europeus até sua chegada na América, foi logo incorporado por eles enquanto as cadeirinhas ainda não podiam ser importadas ou fabricadas no Brasil. Escravizados, indígenas ou africanos, carregaram em redes portugueses acidentados, doentes ou apenas cansados atravessando rios, subindo e descendo encostas, para desbravar o novo continente. Na gravura acima, do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), vemos um saudável proprietário rural sendo carregado de volta para a cidade.
Em Salvador, devido à geografia da cidade, com muitas ladeiras, a cadeirinha foi essencial no transporte de pessoas por mais tempo e também começou a prestar serviço de trajetos por aluguel, principalmente para estrangeiros, e se tornou a profissão de muitos escravizados que viviam de ganho ou que já haviam conseguido a alforria. Apesar do "crescimento do processo de urbanização de Salvador, nas últimas décadas, ainda havia baianos que insistiam em ser transportados por homens em pleno final do século XIX, em manutenção de costumes e valores produzidos por uma sociedade escravista. O diário de viagem de Jerolim Freiherr von Benko e Arthur Müldner, realizado entre 1885 e 1886, comprovou esse fato. Os oficiais austríacos observaram nas ruas de Salvador que pessoas continuavam a usar cadeirinha ou carruagem em vez do transporte coletivo, por ser de uso, sobretudo, das classes mais baixas", escreveu Oliveira na tese citada.
"Símbolo de status e poder por quase três séculos no Brasil, a cadeirinha entrou em decadência no final do século XIX. No Rio de Janeiro, sem nenhum luxo e com o aspecto de suja, nessa época, a cadeirinha circulava somente para fazer o transporte de doentes. Assim como havia acontecido na capital do país, os últimos anos de uso da cadeirinha de arruar na cidade de Salvador foram também para transportar enfermos", conclui. As redes voltaram ao seu uso original, descansar ou dormir, e foram incorporadas pelos brasileiros em suas residências, principalmente no Nordeste.