Hoje há cerca de 187 milhões de cabeças de gado no país, número que quase se iguala ao de habitantes do Brasil (212,6 milhões em 2024, segundo o IBGE), e devem ser a população de "imigrantes" que mais cresceu aqui desde 1534, quando os primeiros bovinos foram trazidos para São Vicente, no atual estado de São Paulo, pela espanhola Ana Pimentel (1500-1571), casada com Martim Afonso de Sousa (1500-1564). O nobre e militar português, depois de expulsar navios franceses da costa brasileira e se tornar donatário da capitania de São Vicente, incumbiu a esposa de cuidar de seu território. Ana Pimentel, primeira mulher a comandar uma capitania, introduziu no Brasil, além do gado, as primeiras mudas de cana-de-açúcar, laranjas e o cultivo de arroz.

Praefecturae Paranambucae pars Borealis, uma cum Praefectura de Itâmaracâ

No ano seguinte, em 1535, o primeiro donatário da capitania de Pernambuco, o português Duarte Coelho Pereira (1485-1554), trouxe mais cabeças de gado para serem usadas como força de tração nos engenhos e no transporte de cana-de-açúcar, como podemos ver no alto da gravura acima, do pintor holandês Frans Post (1612-1680). Em 1550, foi a vez de a Bahia receber bovinos, cabras, carneiros e cavalos, trazidos pelo então governador-geral do Brasil Tomé de Sousa (1503-1579). Começou assim pelo litoral a expansão do gado no país com raças europeias, como a espanhola andaluza e a portuguesa mirandesa. Somente no final do século XVIII, começaram a chegar raças da Índia, como a nelore, mais adaptada ao calor e que se tornou predominante no rebanho atual.

Sirinhaim

Com o passar do tempo, o gado começou a ser levado para o interior iniciando a série de conflitos de terra com os povos indígenas que acontecem até hoje. A apropriação de terras indígenas para criação extensiva culminou na expulsão ou extermínio de diversos povos. No início do século XVI, entre 1621 e 1627, os indígenas tapuias, que viviam nas margens do rio Paraguaçu, no Recôncavo baiano, se rebelaram contra a penetração do gado em suas terras, atacaram e destruíram fazendas e currais e conseguiram manter as atividades pecuárias longe dali por várias décadas. Nessa mesma região, se iniciou a chamada Guerra dos Bárbaros, uma disputa de terra entre indígenas e colonizadores que se estendeu entre 1650 e 1720 envolvendo o sertão nordestino desde a Bahia até o Maranhão. Na gravura abaixo, da obra America, de 1671, do holandês Arnoldus Montanus (1625-1683), os bois no Ceará. Na região sul, os jesuítas já haviam introduzido o gado no século XVII, ocupando uma vasta extensão de terra no Rio Grande do Sul e no Uruguai.

Siara

Para a população escravizada do Brasil, o gado teve um impacto diferente já que muitos possuíam conhecimentos, trazidos de diferentes regiões da África, sobre a criação e o manejo desses animais. Forçados a lidar com os bois desde sua chegada nos engenhos de açúcar, muitos escravizados se tornaram vaqueiros, tratadores ou mesmo açougueiros. Alguns usaram a experiência para caçar bois espalhados em pastagens do sertão e com eles abastecer os quilombos.

Exploitation d'une carrière de granit

Os povos indígenas e mesmo os estrangeiros no início da colonização não tinham o hábito de se alimentar de carne de boi. Bichos selvagens como paca, tatu, veado, macaco, porco-do-mato e tartarugas eram considerados iguarias. Os bois eram tratados como força de trabalho sobretudo em transporte de cargas pesadas, como se vê na gravura acima do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Sua carne, salgada, alimentava os escravizados. Somente a partir do século XIX, começou a crescer o consumo de carne pelos europeus.

Campos sur les bords du rio das Velhas dans la province de Minas Geraës

As lutas de resistência de indígenas e escravizados não impediram que o gado se espalhasse por todo o Brasil. Na gravura acima, de 1827, do pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), vemos vaqueiros aprisionando o gado às margens do rio das Velhas, em Minas Gerais. Abaixo, os bois usados em carroça para transporte em Vila Boa de Goiás, em gravura do austríaco Thomas Ender (1793-1875), de 1832.

Cidade de Goyaz, früher Villa Boa, Hauptstadt der gleichnahmigen Capitanie

No século XIX, quando frequentes levas de artistas e naturalistas europeus estiveram no Brasil, o carro de boi, também trazido pelos portugueses, já era uma constante por toda a paisagem, inclusive no centro de cidades, como mostra a gravura de Recife, de 1863, do pintor suíço Luis Schlappriz (abaixo).

Vista do Pateo do Carmo Casa dos Banhos Convento do Carmo

O Brasil é hoje o maior exportador de carne do mundo e tem a expansão de pastagens como a principal causa de desmatamento na Amazônia. Além de levar conflitos e violência para as terras indígenas, a criação de gado nesses locais compromete as práticas agrícolas tradicionais, a qualidade da água dos rios e todo o ecossistema.