O diplomata e pintor amador inglês William Gore Ouseley (1797-1866) dedicava-se a desenhar paisagens fora das trilhas convencionais retratadas, antes dele, por outros viajantes, conforme escreveu na introdução de seu álbum Views in South America from original drawings made in Brazil, the River Plate and Parana, publicado em Londres, em 1852. Com 25 litografias que retratam majoritariamente paisagens brasileiras, além de algumas da Argentina, da Ilha da Madeira e de Tenerife, o livro destinava-se a curiosos e principalmente potenciais viajantes que desejavam conhecer lugares pouco visitados.

Ouseley viveu no Brasil como secretário comercial e depois como ministro especial britânico entre 1833 e 1841. Por recomendação médica, dedicava-se a passeios pelas serras do Rio de Janeiro, onde os ingleses costumavam se reunir para escapar do calor extremo da cidade. Em 1835, esteve na Bahia onde também fez vários desenhos.

Ruined Chapel of S. Gonsalo, (Bahia)

Acima, em uma das imagens do álbum, a Capela de São Gonçalo em ruínas, na Bahia (Ruined Chapel of S. Gonsalo, Bahia), que ele considerou um objeto de muito interesse, talvez pela dificuldade de acesso devido à vegetação densa típica do país. Segundo Ouseley, algumas pessoas que encontrou na estrada do Rio Vermelho, onde ficava a capela, lhe disseram que esta seria uma das primeiras construções, ou até mesmo a primeira, devotadas ao cristianismo no Brasil e talvez na América.

Examinando o local, "cortando algumas das plantas no interior, densamente coberto de vegetação, vestígios de vários detalhes ornamentais em pedra bem lapidada ou em mármore atestam o cuidado com que este local de culto era antigamente ornamentado, e o sacrifício com que deve ter sido construído", escreveu Ouseley, na explicação da gravura (em tradução livre). Em seu texto, ele também alertava os viajantes sobre os perigos de encontrar escorpiões e cobras no interior da capela. Como escreve a pesquisadora e crítica de arte Ana Maria Belluzzo, em seu artigo O viajante e a paisagem brasileira (Revista Porto Arte, Porto Alegre, 2008), Ouseley “ficou muito impressionado com esta pequena ruína de pedras situada num ponto de observação tão artístico. E também pela pouca importância que lhe era atribuída pela população do país”.

Gamboa landing Bahia

A aquarela acima, de 1835, que retrata a Gamboa, na Bahia, também revela o interesse do artista por lugares e pontos de vista inusitados.

No mesmo artigo, Belluzzo defende que esse gosto do artista era influenciado por sua formação clássica: “William Gore Ouseley, filho de um orientalista, era um homem de ampla cultura clássica; estudou em Paris e em Leyden e viajou por vários países (dentre eles Suécia e Estados Unidos) antes de chegar ao Brasil. A obra de Ouseley traz esclarecimentos a respeito das características do passeio pitoresco inglês praticado pelos visitantes do Brasil. O termo pitoresco denota aqueles objetos que são propriamente aptos para a pintura. (...) Conforme o gosto pitoresco, o olhar buscava as relações que revelassem a natureza digna de ser apreciada ou desenhada, segundo padrões poéticos arcádicos. O observador escolhia ângulos privilegiados para registrá-la sob valores consagrados pela pintura e pela poesia. A tradição pictórica ditava normas à natureza e só algumas combinações notáveis da natureza chegavam a constituir material adequado a arte”.

Essa paisagem parece ainda mais idealizada quando pensamos que foi pintada no mesmo ano em que ocorreu, em Salvador, o maior levante de escravizados da história do Brasil, que ficou conhecido como a Revolta dos Malês. Naquela época, dos cerca de 65.500 habitantes da capital da Bahia, 78% eram de origem africana ou afrodescendentes. Os malês eram os negros muçulmanos (imalê em iorubá) que lutaram pelo fim da escravidão e pela liberdade religiosa, entre outros direitos que lhes eram negados. Na aquarela de Ouseley, alguns homens negros aparecem nos barcos, pequenos frente à grandiosidade da natureza, apenas para compor o cenário idílico que o artista propõe em sua obra.

Segundo a pesquisadora, “a própria configuração das cidades costeiras e a implantação da arquitetura em território irregular e montanhoso vêm de encontro aos anseios do paisagismo inglês. A forte presença da vegetação e das montanhas à beira-mar tornava a natureza, por si, um signo imperativo junto ao conjunto edificado. Integraram ainda o repertório pitoresco: a casa isolada em meio à vegetação, a mescla da arquitetura com algum aspecto da natureza, as chácaras e casas de campo, que forneciam o modelo ideal de ambiência prezado pelos viajantes europeus no Rio de Janeiro, assim como na Bahia e Pernambuco”.

Daí, o apreço dos ingleses pelas paisagens brasileiras, recriadas até por artistas amadores como Ouseley.