Neste mês de janeiro foram comemorados os 200 anos do Dia do Fico, quando o príncipe D. Pedro (1798-1834) teria decidido ficar no Brasil em vez de atender ao pedido das cortes de Lisboa para retornar a Portugal. Esse foi um passo decisivo para que se declarasse a Independência do país em setembro do mesmo ano.

Como é praxe entre os governantes, D. Pedro teve seu retrato feito por diversos artistas, sendo alguns deles replicados e espalhados pelas diversas províncias, principalmente depois da Independência, como forma de dar a conhecer a todos os súditos seu novo imperador.

Dom Pedro I. Imperador, e defensor perpétuo do Brasil

Um dos retratos usados para este fim foi o do pintor português Henrique José da Silva (1772-1834), primeiro diretor da Academia Imperial de Belas Artes do Brasil. Vemos aqui a versão em gravura desse retrato, em que o Imperador é representado com o manto e o cetro, com a coroa apoiada numa mesa ao lado, como era costume nos retratos da casa de Bragança. Segundo a tradição da família real à qual pertencia Dom Pedro, os reis eram apenas aclamados e não coroados, em respeito ao mito de D. Sebastião, que desapareceu na África, mas retornaria a Portugal trazendo a coroa perdida em combate. D. João VI (1767-1826), pai do Imperador, seria retratado dessa maneira por Jean-Baptiste Debret na gravura abaixo.

Já na imagem de Dom Pedro, que aparece na mesma gravura, Debret inova representando o novo imperador com a coroa na cabeça. A historiadora Elaine Dias comenta esse duplo retrato em seu artigo intitulado A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean-Baptiste Debret: “D. Pedro está com a coroa à cabeça, evidenciando, por um lado, a ruptura da tradição, isto é, a inovação, e, por outro, a conquista do império brasileiro pelas mãos de um português, que agora, de certa maneira, recupera a coroa de D. Sebastião em outros domínios. Ruptura da tradição de um lado e recusa desta mesma ruptura de outro, reforçando a tradição”.

Le roi Don João VI / L´empereur Don Pedro I.er / Grand costume

O pintor português e Debret convergem em um aspecto inusitado nos retratos de D. Pedro: representar o governante vestindo botas, o que não era nada comum em retratos reais e causou bastante estranhamento nos gravadores franceses incumbidos de reproduzir a imagem. “Eu me encarregarei com prazer, embora haja coisas que firam um pouco a vista; tais como as botas com manto real; mas visto que é uso no Brasil, o uso tudo justifica”, teria escrito o gravador francês Urbain Massard (1775-1843), responsável por transpor o retrato executado por Henrique José da Silva para a gravura, em uma carta encontrada pelo crítico de arte Mario Pedrosa (1900-1981) no Arquivo Histórico do Itamaraty e citada em seu artigo Rivalidade Luso-Francesa na Iconografia Imperial.

Cérémonie de Sacre de D. Pedro 1,,er Empereur du Brésil, à Rio de Janeiro, le 1er,, Decembre 1822

Esse mesmo traje, com as botas, o manto, o cetro e a coroa, aparece na gravura (acima), que representa a cerimônia de coroação de D. Pedro, na catedral do Rio de Janeiro, também de autoria de Debret.

S. M. o Imperador Don Pedro

O desenho mais informal do inglês Charles Landseer (1799-1879), abaixo, retrata um altivo D. Pedro em cima do cavalo, como gostava de estar, porém com as botas escondidas sob a calça. Outras imagens mostram o imperador de sapatos, numa representação mais condizente com os cânones dos retratos reais europeus.

Emperor Pedro 1st

Imagem bem menos enaltecedora de D. Pedro é a caricatura de autoria do francês Honoré Daumier (1808-1879), feita e publicada na França em 1833. Nela, D. Pedro e seu irmão D. Miguel brigam como crianças pelo trono de Portugal. Depois de abdicar do trono brasileiro em 1831 e deixar aqui seu filho, o futuro Pedro II, o ex-imperador, agora Duque de Bragança, voltou à Europa para enfrentar seu irmão que havia usurpado o trono português de sua sobrinha, D. Maria da Glória, e instaurado um governo absolutista. Apoiado pelos liberais, D. Pedro venceu o irmão em 1834, falecendo pouco tempo depois no Palácio de Queluz, aos 35 anos.

Kssssse! Pédro ... Ksssse! Ksssse! Miguel! ["Ces deux capons là ne feront jamais grand mal]