A Volta Grande do rio Xingu, que nasce no Mato Grosso e deságua no rio Amazonas, no Pará, percorrendo quase dois mil quilômetros, despertou interesse e medo nos primeiros colonizadores que chegaram a essa região. Antes de os portugueses ocuparem a área paraense do Baixo Xingu, holandeses, contrabandistas das chamadas drogas do sertão, construíram em 1599 o Forte de Orange, perto do aldeamento Maturu, onde hoje fica o município de Porto de Moz. Eles não tentaram ultrapassar a Volta Grande do Xingu, rio acima e mais ao sul do estado, temendo as inúmeras cachoeiras nesse trecho, e foram expulsos pelos portugueses por volta de 1625. Os jesuítas foram os primeiros a se aventurar rio acima. Em 1662 e 1667, os missionários Pedro Poderoso e Antônio Ribeiro chegaram a uma aldeia de indígenas taconhapés acima das cachoeiras da Volta Grande. Durante o século XVII, os primeiros povoados surgiram ao longo do trecho entre Porto de Moz e a temida volta e alguns sobreviveram até hoje, como Veiros e Pombal.

No século XVIII, o jesuíta austríaco Rochus de Hundertpfund (1709-1777) foi ainda mais longe e teria avançado 150 léguas acima da Volta Grande. Ele fundou, em 1750, a missão que ficou conhecida como Tavaquara, mas acabou sendo preso e expulso do país dez anos depois, junto com todos os outros jesuítas.

Xingú. Xingú unnvit der Mündung, Stromaufnvarts geschen den 1ten. December 1842/Veiros Stromaufnvarts geschen den 1te. December 1842/Ilha Roxa, in der Mündung des Maxipaná den 1ten. December 1842/Pombal den 22ten. December 1842/ Luzel 2ten. December 18

A gravura acima, parte do livro Aus Meinem Tagebuche 1842/1843 [Dos meus diários 1842/1843], publicado em 1847 na Alemanha, pelo príncipe da Prússia, Adalbert Heinrich Wilhelm (1811-1873), mostra Porto de Moz, em 1842. Em sua viagem pelo Brasil, depois de passar dois meses no Rio de Janeiro e arredores, o príncipe decidiu se aventurar pelo Xingu, que julgava um rio pouco explorado e onde queria conhecer as cachoeiras e tribos "selvagens". Em Porto de Moz, encontrou-se com o major da Guarda Nacional que comandava a região, incluindo os povoados de Veiros, Pombal e Souzel (hoje o município Senador José Porfírio), e não se atrevia a enfrentar a Volta Grande. "O major, embora já estivesse havia sete anos naquele comando, não tinha, e isto 'por falta de comodidades' como muito ingenuamente se expressava, visitado as duas últimas mencionadas companhias do seu batalhão; nunca tinha assim estado mais longe do que até seu quartel-general, isto é, quatro léguas mais adiante no Xingu, pelo que suas informações sobre este rio e seus habitantes não podiam merecer muita fé. Assim é que entre outras coisas que contava, falava muito numa tribo inimiga dos jurunas que pendurava os inimigos pelas pernas e dava-lhes uma pancada na nuca para acabar com eles. E isto era quase só o que sabia informar", escreveu em sua obra (Brasil: Amazonas-Xingu, Príncipe Adalberto da Prússia, tradução de Eduardo de Lima e Castro. Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2002).

Bei Guará den Xingú aufwärts geschen den 2tec December 1842 / Blick den Xingú aufw6arts rechts in der Ferne die Ponta de Tapará den 2ten December 1842 / Rio Tucurui den 3ten Decembr. 1842 / Bivouac von 3ten. Zum 4ten. Decembr. 1842

O comentário do oficial só fez aguçar a curiosidade do príncipe: "meu principal esforço, porém, visava subir o mais rapidamente possível o Xingu no limitado espaço de tempo de que dispunha, para alcançar os selvagens o mais depressa que pudesse". Na gravura acima, algumas imagens de seu percurso em que se pode observar, além do rio, a cruz no povoado de Veiros, as cabanas de Pombal e a igreja de Souzel. Nessa última localidade, o príncipe encontrou o padre Torquato Antônio de Souza, que iria ajudá-lo em seu propósito. Um ano antes da chegada do viajante, o padre havia reaberto uma picada, que fora usada por missionários e exploradores de drogas do sertão e que ligava por terra o igarapé Tucuruí à antiga missão Tavaquara, fundada quase um século antes pelo jesuíta austríaco. O percurso, que podia ser feito em quatro dias, evitava a Volta Grande do rio: de Souzel até o rio Tucuruí, seguiam em um igarité (uma canoa maior), depois a pé pela floresta até Anauraí e de lá voltavam em pequenas canoas para o Xingu, onde subiam até a missão.

Javaquára am Xingú den 6" Dec 1842

Na gravura acima, vemos a cruz reerguida pelo padre Torquato na Tavaquara, que ele rebatizou de missão da Imperatriz. Ali, finalmente, o príncipe se encontrou com os indígenas jurunas: "Pode-se bem imaginar a impressão peculiar que se tem ao sentirmo-nos de repente transportados para uma outra vida e outro meio inteiramente diferente, para o meio dessa gente escura nua, que se move com toda naturalidade e sem embaraçosas cerimônias em volta de nós, em cuja natureza há tanta cordialidade, tanta bonomia, como antes nunca poderíamos ter esperado. E estes eram os chamados 'selvagens'!”.

A missão Tavaquara, antes tão inacessível, fica no atual município de Altamira, que foi fortemente afetado pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte, que desviou a água do rio, reduziu a vazão, comprometeu a pesca e a biodiversidade, afetando o modo de vida dos indígenas e ribeirinhos que habitam a área da Volta Grande do Xingu.