Há 200 anos, em 17 de julho de 1825, chegou ao Rio de Janeiro, a bordo do navio HMS Wellesley, a missão britânica liderada pelo diplomata Charles Stuart (1779-1845), que já havia passado por Portugal com o objetivo de garantir o reconhecimento da independência do Brasil pelo reino português e fortalecer os laços comerciais entre a Inglaterra e esses países. Charles Landseer (1799-1879), prestes a completar 26 anos, veio como artista oficial dessa missão e produziu durante a viagem centenas de desenhos e aquarelas reunidos no conjunto que ficou conhecido como Álbum Highcliffe.
Entre paisagens do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina, lugares por onde passou, Landseer se dedicou também a retratar os tipos humanos que encontrou em seu percurso, como os brancos paulistas, os indígenas e, principalmente, os africanos ou afrodescendentes. Para grande parte dos artistas estrangeiros que passaram por aqui, a população escravizada no Brasil foi tema para diversas obras que, entre o estranhamento e a aceitação, retrataram a peculiaridade da vida no novo país.
Com o título geral de Slaves and negroes at Rio and Bahia, Landseer nos deixou desenhos que vão do retrato em close (acima) a grupos com vestimentas minuciosamente desenhadas (abaixo). Várias de suas obras, que integram o acervo do Instituto Moreira Salles, aparecem com esse título que não distingue a condição nem o local dos habitantes retratados, talvez por serem os tipos dominantes nessas duas cidades.
Landseer também retratou cenas clássicas de trabalho, venda e punição de pessoas escravizadas possivelmente inspiradas por aquarelas de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), artista francês que viveu no Brasil entre 1817 e 1831, e que ele provavelmente conheceu, embora não existam registros históricos desse encontro.
Alguns desenhos são mais detalhados e outros parecem esboços de obras futuras. Segundo o historiador inglês Leslie Bethell, em entrevista ao blog do Instituto Moreira Salles, "após expor cinco óleos baseados nos desenhos e aquarelas de Portugal e o Brasil em Londres em 1827 e 1828, Landseer nunca mais retomou os temas portugueses e brasileiros. O seu caderno de 1825-26 estava nas mãos da família Stuart, e ele nunca voltou ao Brasil. Landseer passou os 50 anos seguintes pintando cenas da literatura e da história inglesas, chegando a expor mais de 120 obras, a maior parte delas na Academia Real, antes de seu falecimento em 1879". Entretanto o pesquisador Robert Wilkes, em seu artigo "A historical and iconographic analysis of Charles Landseer’s Brazilian paintings" (MODOS: Revista de História da Arte, v. 7, n. 3, Campinas, SP, 2023), contesta "a ideia de que o uso de imagens brasileiras por Landseer cessou após a exposição das pinturas em 1827 e considera o impacto de suas viagens ao Brasil em suas obras posteriores, particularmente em suas representações de homens e mulheres negros". Segundo Wilke, Landseer teria deliberadamente incluído em obras posteriores figuras negras deslocadas de contexto, e dá como exemplo duas pinturas históricas de sua autoria: A Pilhagem da Casa de um Judeu no Reinado de Ricardo I, exposta em 1839, e O Assassinato de Alboíno, Rei dos Lombardos, exibida em 1856.
Para o estudioso, "embora não se possa saber se Landseer estava pensando no Brasil quando pintou essas obras, é verdade que ele se acostumou a fazer retratos de indivíduos negros lá. Além das cenas de rua mais gerais, que incluem homens e mulheres escravizados, o Álbum Highcliffe inclui retratos em close-up mais específicos", como o desenho acima dos três escravos do senhor Samuel. "Mesmo que as identidades dos três escravos não sejam registradas, o tempo que Landseer levou para traçar suas características faciais demonstra seu interesse em representar pessoas negras com o mesmo escrutínio visual das imagens da realeza portuguesa que também preenchem o álbum", escreveu o pesquisador.