Quando abdicou de seu reinado no Brasil e partiu para a Europa, em 1831, para tentar recuperar o trono português tomado por seu irmão Miguel I (1802-1866), D. Pedro I (1798-1834) buscou apoio em outros países, como a Inglaterra e a França, e enfrentou longas batalhas que se encerraram apenas em 1834, alguns meses antes de sua morte. Três charges, publicadas em 1833 no periódico ilustrado francês La Caricature, mostram como a guerra entre os irmãos repercutiu na Europa e satirizam as lutas das monarquias pelo poder.
A primeira (acima) mostra o rei Luís Filipe I da França (1773-1850) e o czar russo Nicolau I (1796-1855), retratados como adultos, chamando a atenção dos dois irmãos portugueses Pedro e Miguel, como se fossem duas crianças lutando pelo trono de Portugal. A legenda diz: "esses dois covardes nunca farão mal um ao outro". A charge, publicada em 11 julho de 1833, é de autoria de Honoré-Victorien Daumier (1808-1879), pintor, escultor, gravurista e caricaturista francês que se tornou conhecido e ganhou a vida como crítico da aristocracia e da monarquia.
Daumier produziu mais de 4 mil litografias, mil desenhos, cem esculturas e 500 pinturas, além de ter enfrentado mais de uma vez a fúria do rei Luís Filipe I, que governou a França entre 1830 e 1848 e ordenou a sua prisão em 1832. Nascido em Marselha, no sul da França, em uma família pobre, Daumier mudou-se para Paris em 1816 e começou a trabalhar aos 12 anos, como auxiliar de um oficial de justiça e de um contador. Em 1822, passou a estudar desenho e depois se interessou pela litografia e pela caricatura, uma arte popular na Inglaterra e que começava a se tornar moda na França. Em 1829, teve seus trabalhos publicados no semanário satírico ilustrado La Silhouette, que após vários processos acabou fechando. O artista já publicava no La Caricature, quando foi processado e condenado a seis meses de prisão e a uma multa de 500 francos. O escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850), que foi editor literário do mesmo periódico, afirmou que Daumier tinha o sangue de Michelangelo em suas veias.
Na gravura acima, também criada por Daumier e publicada em 15 de agosto de 1833, António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha (1792-1860), conhecido como Conde de Vila Flor, anuncia a D. Pedro que Lisboa havia sido finalmente tomada pelos seus aliados. Em resposta, ainda de camisola ao acordar, o imperador diz: "ah, eu bem sonhei que tinha lutado bravamente".
A terceira charge (acima), publicada em 3 de outubro de 1833, também no La Caricature, de autoria do desenhista Auguste Bouquet (1810-1846), que morreu jovem e não ficou tão famoso como Daumier, faz uma forte crítica à monarquia europeia em geral. Na gravura, do lado direito, um homem da classe trabalhadora toca flauta e tambor para fazer seis pequenos homens dançarem, com os joelhos e os braços dobrados, as mãos penduradas para baixo, que lembram tanto marionetes como cães se exibindo. Diante do trabalhador, está o rei Luís Filipe I, com uma coroa de louros na cabeça, e logo atrás, de preto, está Carlos X (1757-1836), que o antecedeu no governo da França. Com casaco verde, vemos D. Pedro e o de casaco vermelho pode ser o rei espanhol Fernando VII (1784-1833). O momento histórico que a charge representa foi a iniciativa do governo francês, em 1833, de aumentar o número de fortes isolados ao redor de Paris para proteger a capital. No canto inferior direito da gravura, vemos uma pedra com a inscrição: "aqui, descansa o último dos fortes isolados", que sugere que para o povo a monarquia é fraca e as fortificações, inúteis.