Georg Marcgraf (1610-1644) foi um astrônomo, biólogo e cartógrafo alemão que teve uma produção excepcional nos seus 33 anos de vida. Ele veio ao Brasil em 1637, trazido pelo conde José Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679), durante a ocupação holandesa no Nordeste. Além das suas ilustrações e textos publicados, em 1648, no livro Historia Naturalis Brasiliae, a primeira obra científica sobre a fauna e a flora brasileiras, ele também é o responsável por um mapa pioneiro, provavelmente o primeiro na América a trazer indicações de longitude e latitude e a revelar não somente aspectos geográficos, mas também culturais da região dominada pelos holandeses.

Brasilia qua parte paret Belgis

Publicado pelo cartógrafo Joan Blaeu (1596-1673) em Amsterdã em 1647, Brasilia qua parte paret Belgis [a parte do Brasil que cabia aos Países Baixos] é um mapa mural, feito a partir das pesquisas de Marcgraf e com ilustrações do desenhista e pintor holandês Frans Post (1612-1680), e que mostra o litoral brasileiro do atual estado de Sergipe até o Ceará, região então dominada pelos holandeses. Além de contribuir com informações precisas de localização, calculadas com seus conhecimentos de astronomia, Marcgraf também se dedicou a estudar a língua tupi, ou língua geral, para garantir a ortografia correta de alguns topônimos do mapa; ele também dominava o português e o latim (a língua científica da época) nas muitas descrições e detalhamentos incluídos no mapa.

Marcgraf não viu nenhuma de suas obras publicadas. Ele foi enviado de Recife para Angola, que havia sido ocupada pelos holandeses e onde o conde Maurício de Nassau tinha planos. O astrônomo foi incumbido de produzir no país africano mapas como os que tinha feito no Brasil, mas morreu em Luanda, em janeiro de 1644, de uma doença tropical, pouco mais de um mês após chegar à cidade.

O astrônomo havia deixado Liebstadt, sua cidade natal, em 1627 para estudar e passou por várias universidades, como as de Wittenberg, Estrasburgo, Basileia, Leipzig e Stettin. Viajou em 1637 para Recife, onde construiu o primeiro observatório astronômico do hemisfério sul, e ficou no Brasil até 1643.

Ampliando o mapa acima, é possível apreciar, nas ilustrações de Frans Post, cenas locais como homens trabalhando nos engenhos de açúcar que dominavam a região, pescadores arrastando a rede, indígenas caçando animais, mulheres com balaios, um engenho de farinha de mandioca, indígenas saindo para a luta, escravizados dançando. Todas as populações que viviam ali são representadas interagindo entre si, suas aldeias assinaladas, como também o caminho entre elas.

Inúmeros detalhes interessantes podem ser observados ampliando a imagem, como na parte de cima do mapa, onde há algumas frutas e representantes da fauna brasileira, como a onça, a capivara, o tamanduá, o bicho-preguiça e a jiboia. Desenhados ao longo de toda a costa, barcos evidenciam o domínio holandês e representam algumas batalhas por eles travadas durante a ocupação. No canto inferior esquerdo, é possível ler o lema do conquistador Maurício de Nassau: qua patet orbis [até onde houver mundo].

"Com uma iconografia para além dos elementos estilísticos de um material cartográfico, as cartas holandesas determinaram a descrição não somente das relações topográficas e geográficas das áreas a ele referentes, mas também de aspectos socioeconômicos por meio de inscrições de figuras e textos. Uma diferenciação entre a cartografia holandesa e grande parte da produção de mapas no mundo apresenta como elemento principal a inserção da arte na produção cartográfica que, até então, era percebida em uma relação inversa, ou seja, as artes apresentavam a cartografia como elemento figurativo e decorativo", escreve o pesquisador Ronaldo André Rodrigues da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais, em seu texto Arte e Cartografia: Uma análise do Mapa Brasilia Qua Parte Paret Belgis de Georg Marcgraf (Terceiro Simpósio de Cartografia Histórica, UFMG, 2016).