Antônio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca (1754-1817), foi um intelectual iluminista, diplomata e político da corte de D. João VI (1787-1828). Entre as muitas contribuições que deixou para o Brasil está sua biblioteca, com mais de 6 mil volumes, arrematada pelo rei depois de sua morte, e que viria a se tornar um dos acervos formadores da Biblioteca Nacional.

Le Comte da Barca, Ministre et Secrétaire d´Etat des Affaires Etrangères du Royalme Uni de Portugal, du Brésil et Algarves

Nascido em uma família nobre mas sem títulos em Ponte de Lima, no norte de Portugal, Antônio Araújo de Azevedo só receberia o título de conde em 1815, pouco antes de morrer no Brasil. Na juventude, viveu e estudou literatura no Porto, onde aprendeu línguas como francês, inglês, italiano, grego e latim e em Coimbra, onde estudou filosofia, história e matemática. Voltou à sua cidade natal, onde começou a vida pública e organizou a Sociedade Econômica dos Amigos do Bem Público, para promover a agricultura, a indústria e o comércio da região. Em 1780, foi morar em Lisboa para desenvolver sua carreira política.

Passou então a estudar política e comércio e atuou como diplomata em Haia, na França e na Rússia, em um período bastante conturbado da história europeia. "A vida de Antônio de Araújo foi cheia de peripécias, como uma prisão na Torre do Templo, em Paris, em 1797, enquanto tentava fechar, a pedido de dom João, um acordo de paz com a França. Essa era a mesma torre na qual ficaram encarcerados durante o período do Terror revolucionário Maria Antonieta e Luís XVI, antes de serem guilhotinados", escreveu a historiadora Cecília Costa, em seu livro O primeiro Conde da Barca: um iluminado na corte de dom João (Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2022).

Durante seu período em Haia começou a formar sua biblioteca com destaque para a coleção Le Grand Théâtre de l’Univers, que ele arrematou em um leilão em Amsterdã. A coleção, formada por 125 volumes, com gravuras de paisagens, cenas históricas, batalhas, reis, rainhas e mapas, entre outros, foi organizada pelo colecionador holandês Goswinus Uilenbroeck (1658-1740), também proprietário de uma rica biblioteca.

Quando saiu de Haia para assumir um novo cargo em São Petersburgo, o futuro conde lamentou ter que se afastar de seus livros, como escreveu em uma carta, que se encontra no acervo da Biblioteca Nacional: “Custa-me infinitamente separar-me dela, pois não pode haver coisa mais desagradável do que, depois de ter feito uma coleção assim, ser obrigado a não a gozar. Parece que está determinado pelo destino que jamais tenha sossego por espaço de alguns anos para recrear o meu espírito com um estudo seguido”.

Somente quando voltou para Lisboa, em 1804, conseguiu estar novamente perto de seus livros, depois de um transporte marítimo conturbado de Haia para a capital, que incluiu um sequestro por piratas ingleses, mas, devido a seus contatos, conseguiu recuperar sua biblioteca. Entre 1804 e 1807, Antônio Araújo passou a ser Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. "Se, de 1804 a 1807, quando era uma espécie de primeiro-ministro todo-poderoso de dom João, Araújo tentou de todas as maneiras evitar a invasão francesa ao território lusitano, temendo a ruína de sua pátria e sendo contrário à vinda para a colônia, proposta por dom Rodrigo em 1803, mais tarde, já instalado no Brasil elevado a Reino Unido a Portugal e Algarves, e extremamente afeiçoado ao país, não seria favorável à volta do regente para a velha metrópole", escreveu Cecília Costa no livro citado.

Ministres et senateur

Parte da população e alguns ministros da corte culparam Araújo pela saída forçada da corte de Portugal e ele precisou embarcar escondido na nau Medusa, que o traria ao Brasil junto com a família real. "A sua bagagem era composta por 34 grandes caixotes que continham os papéis da secretaria de estado e, também, a maior parte da livraria particular, a coleção de estampas, uns instrumentos químicos e, ainda, uns prelos que tinham acabado de chegar a Lisboa provenientes de Inglaterra", escreveu o pesquisador português Abel Rodrigues, no capítulo "O arquivo do Conde da Barca: mnemósine de um ilustrado" do livro O tempo, as ideias, a obra e... os inéditos (org. José Anastácio da Cunha, Braga, Portugal: Arquivo Distrital de Braga, Universidade do Minho, 2006).

No Rio de Janeiro, em 1808, o ministro se instalou em uma casa na rua do Passeio, onde montou um laboratório de química, um alambique com os instrumentos que trouxe de Portugal e onde plantou 1.400 mudas de plantas. Logo que chegou, Araújo se afastou de suas funções ministeriais e se dedicou a experimentos científicos, comerciais e às artes. Até 1814, quando voltou ao cargo de ministro, dessa vez da Marinha e Ultramar, atuou apenas como conselheiro de Estado. Recebeu o título de 1º Conde da Barca, criado por decreto em 27 de Dezembro de 1815.

Como amante das artes, o Conde da Barca, sempre acusado de ser um "francófilo", teve papel decisivo nas negociações para trazer a Missão Artística Francesa ao Brasil. Também abrigou em sua casa o compositor e pianista austríaco Sigsmund Neukomm (1778-1858), pupilo de Haydn (1737-1806).

Na gravura acima, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), membro da Missão Artística Francesa, o conde da Barca aparece no alto, à esquerda, junto ao Marquês de Marialva, José Bonifácio de Andrada (centro), José Clemente Pereira e o Bispo Capelão Mor do Rio de Janeiro, José Caetano da Silva Coutinho, todos ministros da corte portuguesa no Brasil. Para o conde da Barca, Debret reserva suas palavras mais doces: "nascido em Portugal, foi acima de tudo amigo das ciências e das artes; sensível e bom, passou a vida procurando fazer a felicidade dos outros" (In: Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).

Com a saúde fragilizada, o Conde da Barca faleceu em junho de 1817, aos 63 anos, na casa que alugou para recuperar a saúde na colina da Rua do Matoso, conhecida como chácara do Engenho Velho, de onde se podia avistar a cidade, o mar e a Serra dos Órgãos, como ilustra o desenho abaixo, feito pelo inglês Charles Landseer (1799-1879), alguns anos após a morte do Conde.

Organ Mountains from the Conde de Abarca's