A descoberta de ouro no interior do Brasil, no final do século XVII, mudou a paisagem natural e humana da região de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. "A busca por ouro e diamantes mudaria radicalmente o perfil da ocupação do território. Entre 1700 e 1800 foram fundadas nada menos que 49 vilas, a maioria delas muito além da serra do mar em direção ao interior", escreve o jornalista Laurentino Gomes em seu livro Escravidão - Volume II - Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil (Rio de Janeiro: Globo Livros, 2021).
"Os objetivos básicos desta política de urbanização eram estabelecer a ordem e permitir maior controle sobre a população flutuante dos mineradores, facilitando o controle fiscal da extração por parte da Coroa. Por volta de 1720, mais de 120 mil habitantes espalhavam-se por Minas Gerais, fazendo crescer as cidades do ouro. Com o rush estabelecido na região das minas, a partir de 1697, dá-se rapidamente a substituição da mão-de-obra indígena pela africana", escreveu o sociólogo Luciano Rodrigues Costa no artigo "Os garimpos clandestinos de ouro em Minas Gerais e no Brasil: tradição e mudança", publicado na revista História & Perspectivas (Universidade Federal de Uberlândia, 2007).
Entre 1700 e 1750, durante o chamado primeiro e mais próspero ciclo do ouro, o Brasil era responsável pela metade da produção mundial desse minério. Assim como nas outras atividades que sustentavam a coroa portuguesa (produção de açúcar, algodão e, depois, café), a mão-de-obra nas minas era essencialmente de escravizados. Como afirma Gomes, no livro citado, "estima-se que, no século XVIII, cerca de 600 mil escravos se envolveram na mineração de ouro e diamantes de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, o que representaria 20% do total de cativos africanos trazidos para o Brasil nesse período. Até 1693, ano da primeira descoberta oficial de ouro, a população negra de Minas Gerais era praticamente zero. Esse número cresceu de forma exponencial nos anos seguintes".
Além de serem explorados no trabalho braçal, os africanos também contribuíram com o conhecimento de diferentes tecnologias de mineração. "Alguns estudos apontam que os portugueses buscavam etnias específicas para trazer ao Brasil para trabalhar na mineração, devido ao seu amplo conhecimento. Nesse contexto, foram escravizadas sobretudo as populações da Costa da Mina (representando pelo menos cinquenta por cento do total de escravizados), em especial mulheres: nos processos da mineração aurífera, a atividade de prospecção do ouro era realizada pelas 'mulheres-mina', detentoras de conhecimentos sobre geologia, botânica e hidrologia", escreveram os pesquisadores Lucas César Rodrigues da Silva e Rafael de Brito Dias, no artigo "As tecnologias derivadas da matriz africana no Brasil: um estudo exploratório", publicado na revista Linhas Críticas (Brasília: Universidade de Brasília, ago 2020).
"Nada justifica esse gênero de exploração, nem mesmo a possível barateza, pois é preciso levar em conta o capital representado pelo valor dessa multidão de escravos, necessários aos mais simples trabalhos, tanto quanto aos mais importantes", escreveu o pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) em seu livro Viagem pitoresca através do Brasil (São Paulo: Ed. Martins, Ed. da Universidade de São Paulo, 1972). Rugendas esteve no Brasil entre 1822 e 1825, época em que a exploração do ouro já começara a entrar em decadência. Na gravura acima, o pintor mostra homens e mulheres escravizados no trabalho, com a bateia (espécie de bacia utilizada até hoje) e o couro de animal, tecnologias trazidas pelos africanos para separar os minérios.
Os artistas e cientistas viajantes, que estiveram no Brasil no começo do século XIX, também não ficaram indiferentes à destruição da paisagem causada pela mineração. "Nas encostas, formando terraços, estavam abertos fossos de alguns pés de profundidade e de largura, pelos quais era levada a água da chuva pelos flancos abertos no barro vermelho. O barro lavado estava amontoado num e noutro ponto, ou cobria o solo em planícies ou em declives artificialmente sulcados. Tudo dá um aspecto triste de destruição selvagem; as próprias estradas estão danificadas, e esta paisagem entristece o viajante penosamente, pois no lugar onde se vê tirar o ouro, em vez do metal precioso, só se tem papel moeda e miséria daí decorrente", escreveram os cientistas alemães Carl Friedrich Von Martius (1794-1868) e Johann Baptist von Spix (1781-1826), no livro Viagem pelo Brasil 1817-1820 Vol. 1 (Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1981).
Já o mercúrio, principal poluidor do ecossistema no garimpo ilegal no Brasil até hoje, não era utilizado durante o primeiro ciclo do ouro, que terminou por volta de 1750. Mas já no início do século seguinte, os cientistas alemães observaram seu uso, em uma visita a uma mina perto de Vila Rica: "O ouro, que mais custa chegar à fusão, necessita de mais cloreto de mercúrio; isso acontece, sobretudo, quando nele existe uma grande porcentagem de ferro. Os operários sabem, em geral, por longa experiência, a porção do acréscimo que requer o ouro de cada mina."
Na gravura acima, de Martius, vemos as mulas carregadas deixando a mina de Cata Branca, perto de Vila Rica, atual Ouro Preto. Depois do decreto de 1824 que permitiu a exploração por estrangeiros de ouro e outros negócios no Brasil, essa mina foi gerenciada pela corporação inglesa Brazilian Company entre 1832 e 1844, quando faliu devido a acidentes que causaram a morte de dezenas de trabalhadores.