A expedição do brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) percorreu o extremo norte do Brasil ainda no século XVIII. Iniciada em 1783, a Viagem Filosófica, como ficou conhecida, documentou, através dos desenhos de Joaquim José Codina (1700-1790) e de José Joaquim Freire (1760-1847), vários aspectos da geografia, da fauna, da flora e dos povoados da Amazônia a pedido do governo português. Viajando em barcos precários, eles alcançaram regiões pouco visitadas.

Naquela época, a maioria das vilas na Amazônia era fruto de aldeamentos promovidos pelos jesuítas, que exploravam a região e tentavam catequizar os indígenas, até serem expulsos por decisão do Marques de Pombal (1699-1782), então secretário de Estado da Coroa Portuguesa, em 1759.

Prospecto da Villa de Thomar, chamada antes Bararuá

No desenho acima, de Freire, vemos a vila de Bararuá, que como todas as vilas da região foi rebatizada nos anos 1750, passando a se chamar Vila de Thomar. Abaixo, a Vila de Monte Alegre, uma das mais antigas do Pará e formada a partir do aldeamento conhecido como Gurupatuba. Os dois desenhistas fizeram dezenas de prospectos como esses para tentar passar ao governo português a maior quantidade possível de informações sobre essa região.

Prospecto da frontaria da Igreja Matriz, e casa da residência da Vila de Monte Alegre

Para conseguir realizar seu intento, a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira contou com o apoio dos representantes da coroa na região, principalmente com o português João Pereira Caldas (1736-1794), que foi governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, no período entre 1772 e 1790. "Por ter acumulado vasta experiência na região amazônica, Pereira Caldas foi de grande valia no fornecimento a Alexandre Rodrigues Ferreira de informações preciosas sobre população, agricultura, navegação e comércio locais. Prontificou-se a fornecer barcos, víveres e, conhecedor do Rio Negro, evitou que o viajante percorresse áreas povoadas de índios hostis, aconselhando mudanças de itinerário por terras mais seguras", escreve o historiador Fabiano Vilaça dos Santos em seu artigo Uma vida dedicada ao Real Serviço: João Pereira Caldas, dos sertões do Rio Negro à nomeação para o Conselho Ultramarino (1753-1790).

A legenda feita por Codina no desenho abaixo, Prospecto do novo Lugar das Caldas (a), estabelecido na margem oriental, e no principio da primeira cachoeira do Rio Cauaburys, pelo tenente Marcelino Joseph Cordeiro, comandante da Fortaleza de S. Gabriel: por ordem imediata do Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas, em carta de 27 de julho 1781; não tendo o governador defunto executado até então a primeira ordem, de 17 de dezembro 1773, ao mesmo respeito, mostra a importância de Pereira Caldas. Ele fora enviado a Belém, em 1753, para acompanhar a demarcação das novas fronteiras da Amazônia portuguesa estabelecidas no Tratado de Madri (1750). Em 1759, foi nomeado governador da capitania do Piauí, com a missão de expulsar dali os jesuítas e criar novas vilas para estabelecer o território. Não foi uma missão fácil.

"A discrepância entre a legislação e a realidade local fez com que os primeiros tempos da administração de Pereira Caldas se transfigurassem em dificuldades, hesitações e incertezas quanto às possibilidades de cumprimento das ordens régias. Os principais obstáculos enfrentados pelo governador, um jovem militar de 23 anos, em sua prova de fogo, foram: a escassez de população, em grande parte internada nos sertões da capitania, formada basicamente por vaqueiros, índios, escravos africanos e mestiços; o fato de a população ser pouco afeita à vida urbana, permanecendo mais tempo nas fazendas de gado que compunham o território piauiense; os constantes ataques do gentio hostil que ameaçavam a paz dos moradores e a estabilidade das povoações", escreve Vilaça dos Santos no mesmo artigo.

Prospecto do novo Lugar das Caldas (a), estabelecido na margem oriental, e no principio da primeira cachoeira do Rio Cauaburys, pelo tenente Marcelino Joseph Cordeiro, com mandante da Fortaleza de S.Gabriel: por ordem imediata do Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas, em carta de 27 de julho 1781; não tendo o governador de funto executado até então a primeira ordem, de 17 de dezembro 1773, ao mesmo respeito

Na maioria dos desenhos de Codina e Freire, não se vê nenhuma figura humana, parecem vilas fantasma, apesar de atestarmos a presença do homem nas construções das casas, nas árvores cortadas, no canteiro cercado ou nas embarcações no rio. Curioso observar que o desenho acima retrata o vilarejo que deu lugar ao atual município de São Gabriel da Cachoeira, o terceiro maior do Brasil em extensão, primeiro em predominância de população indígena (9 em cada dez habitantes) e que abriga a principal reserva de nióbio do mundo.

Prospecto da 1a cachoeira do Rio Cauaborys

No extremo noroeste da Amazônia, a região do rio Cauaburis, hoje parte integrante do Parque Nacional do Pico da Neblina e terra Ianomâmi, fica na fronteira com a Venezuela e a Colômbia.