Até o final do século XIX, quando mulheres começaram a trabalhar em fábricas, o trabalho feminino no Brasil era basicamente restrito à lavoura e ao serviço doméstico. As trabalhadoras eram em sua maioria negras, escravizadas ou libertas. Havia também mulheres descendentes de indígenas e algumas poucas brancas sem recursos financeiros ou familiares.

Segundo a historiadora norte-americana Sandra Lauderdale Graham, no Rio de Janeiro, no início dos anos 1870, 71% das mulheres que trabalhavam eram criadas domésticas, que exerciam atividades variadas como as de mucamas, amas-de-leite, cozinheiras, arrumadeiras, lavadeiras, passadeiras, costureiras e até vendedoras ambulantes a serviço de patrões.

Grande parte dessas atividades aconteciam dentro das casas, mas muitas saíam também às ruas, fosse para comprar produtos para a cozinha ou a casa, e, no caso das lavadeiras, para ter acesso às bicas ou aos riachos mais próximos para fazer o seu serviço, já que a grande maioria das residências não tinha água encanada ou um poço para servi-las. Por circularem livremente pela cidade e muitas vezes se reunirem em grandes grupos para realizar suas tarefas, as lavadeiras chamavam bastante atenção dos viajantes no Brasil do século XIX.

Femmes cabocles (sauvages civilisés) vivant du métier de blanchisseuses dans la ville de Rio de Janeiro

Na gravura acima, o artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) retrata as lavadeiras de origem indígena, as "caboclas" que, segundo o artista francês, eram de famílias que residiam no Rio de Janeiro havia muitos anos. "Reúnem-se diariamente de manhã para ir lavar a roupa à beira do pequeno rio que passa sob a ponte do Catete, um dos arrabaldes da cidade. Aí ficam o dia inteiro só voltando ao cair da noite", escreve Debret em seu Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016), publicado na França em 1834.

Blanchisseuses à la rivière

Como não podia deixar de ser, Debret também se deteve sobre as lavadeiras negras. Segundo ele, "uma família rica tem sempre lavadeiras e uma mucama encarregada especialmente de passar as peças finas. (...) Mas as casas pobres, que só possuem um negro, mandam-no lavar roupa nos chafarizes da cidade, principalmente no da Carioca ou do Campo de Sant'Ana, ambos cercados de vastos campos para esse fim. Por isso aí se encontram dia e noite lavadeiras, cujo bater de roupa se ouve ao longe".

Washerwomen

A atividade das lavadeiras foi registrada também (nos desenhos acima e abaixo) pelo pintor e desenhista inglês Charles Landseer (1799-1879), que esteve no Brasil entre 1825 e 1826. Para a historiadora Sandra L. Graham, "lavar roupa propiciava a oportunidade para a camaradagem. Por algumas horas ou mesmo um dia inteiro, as mulheres sentiam-se livres da necessidade de comportar-se com deferência e mover-se silenciosamente. Ao invés disso, no lugar do chafariz tinia a tagarelice e o som do trabalho. (...) Salvo por encontros com homens que também podiam vir buscar água, as excursões ao chafariz ou à torneira do bairro, diferentemente das compras, envolviam as mulheres em um mundo sobretudo feminino. A vida da rua engajava as criadas em uma comunidade maior que o lar ou a vizinhança", escreveu em Proteção e Obediência - Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro 1860-1910 (São Paulo, Companhia das Letras, 1992).

Por estarem nas ruas, as lavadeiras por um lado desfrutavam de maior liberdade, mas, muitas vezes vistas como arruaceiras, eram também vítimas fáceis da perseguição das autoridades policiais da Corte. Elas representavam quase 40% das mulheres presas na Casa de Detenção no início dos anos 1880.

Washerwomen

Muitas lavadeiras eram escravas ou escravas de ganho, que davam parte de seus rendimentos para seus donos, e eram bastante valorizadas e procuradas em anúncios de jornais, para serem alugadas ou prestarem serviços. Muitas acumulavam também a função de passadeiras e costureiras. Como descreve Debret, "as lavadeiras brasileiras, aliás muito mais cuidadosas que as nossas, têm a vaidade de entregar a roupa não somente bem passada e arranjada em ordem dentro de uma cesta, mas ainda perfumada com flores odoríferas". E acrescenta: "o que é mais apreciável ainda para o estrangeiro, no Rio de Janeiro, é que sua roupa branca lhe é devolvida não somente admiravelmente limpa, mas ainda consertada pela lavadeira, cujo trabalho, de resto se paga assaz caro, principalmente por causa de ser cuidadosamente passada".