Entre 1817 e 1820, os naturalistas alemães Carl Friedrich Philip Von Martius (1794-1868) e Johann Baptist von Spix (1781-1826) percorreram grande parte do Brasil. Eles descreveram seu itinerário com minúcias no livro Viagem pelo Brasil, publicado na Alemanha em 1823 e traduzido no Brasil (SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Karl Friedrich Philip von; Editora Itatiaia, Universidade de São Paulo, 1981). Martius publicou também, depois da morte de Spix, a enciclopédia de botânica Flora Brasiliensis, de onde saíram muitas das gravuras que ilustram este artigo. A obra foi publicada entre 1840 e 1906, em 15 volumes, divididos em 40 partes e diversos fascículos.
Na viagem de Martius e Spix, mais de oito meses do ano de 1818 foram dedicados a conhecer a Província de Minas Gerais, região que já chamava a atenção na Europa pela sua grande quantidade de minérios e pedras preciosas. Partindo de São Paulo, eles chegaram a Minas Gerais com sua comitiva pelo sul e seguiram boa parte do caminho pela então conhecida Estrada Real.
Começando o percurso em Minas, a impressão não poderia ter sido melhor: "Abismos tremendos ou gigantes píncaros, dispostos em escarpas ameaçadoras, aqui não se vêem; ao contrário, a vista aqui se tranquiliza ante o aspecto agradável de vales não muito profundos, de cabeças de colinas guarnecidas de pastos, sobre cujos pendores suaves correm aqui e ali claros regatos. Não se tem a impressão dos altos Alpes europeus sublimes, denteados; todavia não é o aspecto de natureza menor o que o viajante encontra aqui: ao contrário, o característico destas paisagens é de grandiosidade, a par de simplicidade e suavidade; elas contam entre as mais encantadoras que apreciamos nos trópicos", escrevem em sua Viagem pelo Brasil.
Outro viajante alemão, o pintor Johann Moritz Rugendas (1802-1858), que esteve no Brasil em 1821, também comparou a paisagem de Minas à dos Alpes: "Sob mais de um aspecto, a região lembra os Alpes suíços e poderíamos crer-nos transportados para essas montanhas ao contemplar as boas pastagens e as manadas de vacas e cavalos, que se encontram frequentemente. Entretanto, as formas estranhas das árvores, suas flores variadas e os cantos dos pássaros desconhecidos, nos advertem a cada instante da presença dos trópicos" (RUGENDAS, Johann Moritz, Viagem Pitoresca Através do Brasil, São Paulo: Ed. Martins; Universidade de São Paulo, 1972).
Os viajantes seguiram rumo à famosa Vila Rica (atual cidade de Ouro Preto), onde Rugendas observou aspectos da riqueza vinda da mineração, a escravidão, e também conheceu Sabará (abaixo). Mas fez uma viagem mais curta.
Martius e Spix percorreram praticamente todos os cantos de Minas Gerais e suas detalhadas observações sobre a botânica e o solo nos fazem seguir com eles: "As variadas vistas dos vales (...) aparecem com maior frequência e se alternam quanto mais perto se vai chegando de Vila Rica. Ficamos, porém, maravilhados, quando subimos o íngreme Morro de Gravier, continuação da Serra de Ouro Branco, aos avistarmos os lírios arbóreos, cujos caules fortes e nus, bifurcados num pouco galhos, muitas vezes terminados com um tufo de folhas compridas, com as queimadas dos campos: carbonizados na superfície são uma das mais maravilhosas formas do mundo das plantas. Ambos os gêneros que eles formam, Barbacenia e Vellosia, são chamados no país de canela-de-ema e (...) são tidos pelo povo como sinal característico da riqueza de um terreno em ouro e diamantes."
Na mesma região, eles voltaram a atenção também para o morro de Itacolomi: "é o mais alto píncaro da Serra de Ouro Preto (...). O caminho leva por risonhas ladeiras de capim, às vezes por mata baixa no alto. Pouco a pouco, alarga-se a chapada do morro, e achamo-nos numa planície extensa, docemente inclinada e em cujo fundo se eleva o último píncaro de rocha".
Spix e Martius também se detiveram na observação de um traço típico da vegetação de parte do Brasil, os capões, bosques ou ilhas de mato, também chamados de capoeira por aqui. A palavra capão é de origem tupi, da junção dos vocábulos ka'a (mata) e pu'ã (redonda). Eles se confundem um pouco na descrição, mas na gravura (abaixo), publicada depois do livro, já se corrigem. "A ladeira é coberta de pastos e de alguns arbustos. Num e noutro ponto, bosques cerrados de arvoredo baixo, fortemente frondoso, ocupavam regos e depressões. Esses bosquezinhos, que aqui se chamam capões (corrupção do vocábulo caapaú, ilha, da língua geral), como que ilhas de mato, formam feição característica na região dos campos e consistem, pela maior parte, em espécies de plantas que só ali aparecem".
Da região de Vila Rica, Spix e Martius seguiram para o Distrito Diamantino, passaram por Sabará e chegaram até Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha. Foram até a fronteira de Goiás, voltaram para Minas, seguiram então para a Bahia e de lá subiram até o Amazonas.
No caminho, foram atacados por uma onça, mas saíram ilesos: "(...) os companheiros da viagem adormeciam nas suas redes, quando o sentinela nos assustou com um tiro de fuzil. No mesmo instante, as mulas desembocaram todas juntas do abrigo, rinchando aflitas e perseguidas por uma onça pintada que, entretanto, diante do fogo, se retirou lentamente". Na gravura abaixo, podemos ver uma delas junto ao rio das Velhas, que nasce no atual município de Ouro Preto e deságua no rio São Francisco. Provavelmente uma das fortes lembranças que os naturalistas levaram da viagem.