A vasta extensão do litoral que hoje pertence ao Brasil foi área de disputas por parte de nações europeias, que tentariam iniciar, a partir dali, a criação de colônias na América do Sul. É conhecido o caso do estabelecimento de uma colônia holandesa no Recife, sob o comando de Maurício de Nassau (1604-1679), em meados do século XVII. 

Os franceses fizeram também algumas tentativas nesse sentido. Em 1612, por exemplo, aportaram no Maranhão três navios franceses trazendo oficiais, marinheiros e quatro missionários da Ordem dos Capuchinhos. Com o consentimento da rainha regente da França, Maria de Médici (1575-1642), Daniel de La Touche (1570-1631), senhor de La Ravardière, e o almirante François de Razilly foram designados para a empreitada de fundar nessa região do Brasil a França Equinocial.

Cabia aos padres a missão de catequizar os indígenas e fazê-los obedientes e tementes a Deus e à coroa francesa. Essa tentativa de colonização francesa durou pouco. Em 1615, eles foram expulsos do Maranhão pelos portugueses. Mas foi tempo suficiente para batizar o vilarejo, que viria a se tornar a capital do Estado, de São Luís, em homenagem a Louis IX (1214-1270), rei da França, canonizado pela Igreja Católica. Bastou também para um dos missionários, Claude D'Abbeville (?-1632), coletar uma enorme quantidade de informações sobre os habitantes nativos, principalmente os tupinambás.

Em 1614, D'Abbeville publicou em Paris o seu L'Histoire de la Mission des Pères Capucins en l'Isle de Maragnan et Terres Circonvoisines [História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas] – publicado no Brasil pela editora Itatiaia, 1975 –, um relato detalhado de toda a viagem e de tudo o que aprendeu sobre o clima, a vegetação, a fauna e, sobretudo, os indígenas que se dedicou a catequizar.

Indis Sol Splendet Splendescunt Lilia Gallis

D'Abbeville, em seu livro, não economiza elogios à docilidade e à hospitalidade dos nativos, que não cansavam de entregar peixes, caças e todo o tipo de alimentos e presentes aos recém-chegados. O relato do padre era também uma "propaganda" para estimular outros franceses a se lançarem na empreitada da colonização da França Equinocial. Entre histórias e mitologias que ouviu de nativos, cerimônias de doutrinação religiosa, como missas, batismos e bênçãos, visitas a diferentes aldeias da região, há poucos trechos do relato dedicados a temas como as guerras, a vingança e a antropofagia.

Depois de apenas quatro meses em solo brasileiro, o senhor de La Ravardière decide retornar à França e levar com ele D'Abbeville, que vai a contragosto. Segundo o relato do padre, os chefes, que ele chama de "principais", da Ilha de Maranhão, teriam resolvido enviar com eles para a França "seis membros de sua nação para prestarem homenagem e oferecerem seus serviços ao cristianíssimo Rei de França, e solicitarem proteção para os súditos da nova França Equinocial". As narrativas dos franceses sempre tentaram reforçar a ideia de que a conversão ao cristianismo e a submissão ao europeu eram vontade do próprio indígena, como se fosse parte do caráter deles. Infelizmente, não temos documentos dos tupinambás para contestar essas informações.

A chegada dos seis tupinambás a Paris causou alvoroço. "Quem imaginaria que o povo de Paris tão acostumado a ver coisas novas e extraordinárias se comovesse tanto com a chegada dos índios? (...) Nosso convento já não era mais nosso, mas de todo Paris. Já não parecia um convento, mas uma feira para onde afluía gente de vinte léguas de distância. Tentavam forçar as portas e quando não o conseguiam prorrompiam em injúrias, não para nos ofender, mas porque já não sabiam o que diziam nem faziam."

Infelizmente, dos seis indígenas levados a Paris, três morreram pouco depois da chegada. O primeiro foi Caripira, da nação dos tabajaras, batizado de Francisco pouco antes de morrer. Era o mais velho e tinha entre 60 ou 70 anos. "Caiu doente na segunda-feira 22 de abril, logo depois de nossa chegada a Paris, e faleceu vítima de um resfriado acompanhado de muita febre e de inflamação dos pulmões. A primeira moléstia teve por origem o frio do nosso clima e a segunda foi provocada pela fraqueza de suas partes nobres, ocasionada pelo sangue perdido em muitos combates", escreveu o frade. Caripira morreu no dia 29 de abril, uma semana depois de ficar doente.

A Brasiliana Iconográfica não tem a gravura que o retrata, mas os outros cinco podem ser vistos aqui. Patuá, um jovem de 15 ou 16 anos, natural da Ilha do Maranhão, "bem feito de corpo, inteligente e grave para a idade", foi batizado de Thiago no dia 4 de maio e morreu dois dias depois, de "uma febre contínua que durou oito dias". Segundo D'Abbeville, Patuá "era dócil e por isso muito estimado por nós, o que nos levava a sentir sua dor mais ainda do que ele próprio". Os mesmos dias de batismo e morte teve Manen, um índio de 20 a 22 anos, "natural do país dos 'cabelos compridos' (vizinho ao Amazonas) habitantes da margem de um belo rio chamado Pará", conta o padre. Foi batizado de Antônio. "Suas moléstias e suas virtudes foram iguais às dos outros dois. Tinha de característico uma conversação amável, um gênio fácil e paciente, que fez com que durante sua febre ardente nunca saísse de sua boca uma só queixa", escreve.

Iacques Patova
Anthoine Manen

Segundo D'Abbeville, os três imploraram muitas vezes para serem logo batizados para não morrerem pagãos e "a todos fizeram-se ofícios e funerais solenes como se se tratasse de nossos irmãos". Repare que os indígenas que morreram, retratados acima, aparecem com as vestes nativas. E os três que foram batizados na presença do rei e da corte (abaixo) aparecem com roupas europeias e lírios na mão, sinal de pureza e inocência.

Itapucu tornou-se Luís Maria, tinha cerca de 38 anos quando chegou à França e era natural "da grande montanha de Ibiapaba". Já Uaruajó passou a ser chamado de Luís Henrique depois do batismo. Natural da aldeia de Mocuru, tinha cerca de 20 anos, era "muito alegre, mais claro que os outros, de rosto bem feito e mais parecido com o de um francês do que com o de um selvagem estrangeiro". Por fim, Japuaí, natural da Ilha do Maranhão, com cerca de 20 anos, foi batizado de Luís de São João e era "mais escuro do que os outros, porém sobreexcede seus companheiros pela docilidade de seu gênio e pela sua particular devoção".

Luis Marie
Louis Henri
Louis de St. Iehan