Uma das formas de pesquisar na Brasiliana Iconográfica é realizar buscas a partir do período de produção ou publicação das imagens. Algumas das obras mais antigas presentes neste portal são gravuras datadas de 1596, produzidas logo nos primeiros anos da colonização do Brasil. O autor é Theodore de Bry, editor responsável pela publicação de uma importante coleção de relatos ilustrados sobre a era das navegações e da expansão europeia. 

Theodore de Bry nasceu em Liège, hoje território belga, em 1528. Protestante, defendeu a Reforma e combateu a dominação espanhola na região dos Países Baixos. Obrigado a abandonar sua cidade natal, mudou-se para Estrasburgo, grande centro editorial da época, onde trabalhou para o artista francês Étienne Delaune. Em uma viagem para a Inglaterra, conheceu Richard Hakluyt, editor de um conjunto de narrativas de viajantes que o inspirou a lançar a sua própria coleção ilustrada: Thesaurus de Viagens ou Collectiones Peregrinatorum in Indiam Occidentalem et Indiam Orientalem. A coleção, no entanto, ficou mais conhecida pela divisão entre os volumes das Grands Voyages, dedicados às viagens às Américas, e das Petits Voyages, com relatos de viagens à África e ao Oriente. Sem nunca ter estado em nenhum desses lugares, Théodore de Bry se transformou, com os livros, no mais famoso e bem-sucedido ilustrador de viagens de sua época. 

Publicada em Latim, língua utilizada para difusão do conhecimento no século XVI, a coletânea de De Bry foi também traduzida para outros idiomas europeus, atendendo à crescente demanda de uma elite cultural por livros ilustrados. As Viagens tornaram-se sucesso editorial. Traziam uma sofisticação na técnica de impressão, com ilustrações feitas com base em matrizes de cobre, o que permitia maior refinamento nas imagens. Produzidas entre 1590 e 1634, tendo como pano de fundo as guerras religiosas e a expansão Atlântica, são formadas por 13 volumes. O terceiro deles, Americae Tertia Pars, é baseado nos relatos das viagens ao Brasil do alemão Hans Staden e do francês Jean de Léry. Tanto Staden, aventureiro cujo livro foi publicado originalmente em alemão em 1557, quanto Léry, religioso protestante que teve sua narrativa publicada em francês em 1578, descreveram suas experiências no país enfatizando principalmente o contato com os grupos indígenas locais, em especial os Tupinambás. Staden, por exemplo, ficou quase um ano aprisionado por uma tribo indígena na região de Bertioga. 

De Bry reelabora as ilustrações presentes nos relatos de Staden e Léry, apresentando os índios brasileiros como guerreiros bárbaros e devoradores de humanos. A série de “Cenas de Antropofagia no Brasil”, que fazem parte do relato de Hans Staden, são particularmente violentas. 

Cenas de Antropofagia no Brasil
Cenas de Antropofagia no Brasil

Para Ana Belluzzo, em O Brasil dos viajantes, de Bry “tem por matéria-prima a fantasiosa memória pós-viagem dos autores e manipula livremente as informações visuais de várias procedências. (...) A imagem dos canibais, reiterada pelos viajantes ao longo dos séculos XVI e XVII, foi um símbolo privilegiado, capaz de promover contraposição entre americanos e europeus, selvagens e civilizados. Foi o argumento por excelência do conflito entre conquistadores e conquistados”. Esse argumento convincente da colonização, marcou profundamente a visão dos europeus sobre os brasileiros e quem sabe dos brasileiros sobre nós mesmos.