As viagens de naturalistas ao Brasil trouxeram importantes contribuições ao estudo da flora, fauna e - população do país. Dentre os visitantes contam-se Frei André Thevet (1502-1592), Jean de Léry (1534-1611), Johann Baptist von Spix (1781-1826), Karl Friedrich von Martius (1794-1868), Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) e o pai da teoria da evolução, Charles Darwin (1809-1882). Além do olhar estrangeiro, há também o de brasileiros, como Frei José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811), Manuel Freire Alemão e Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815).

Nascido a 27 de abril de1756 em Salvador, Bahia, Ferreira estudou em Coimbra, onde se formou em 1778 na Faculdade de Filosofia Natural. Seu excelente desempenho chamou a atenção de Domenico Agostino Vandelli (1735-1816), naturalista italiano que trabalhava para o governo português. Encarregado de compor uma história natural das colônias portuguesas, organizou expedições a Moçambique e Angola e indicou Rodrigues Ferreira para chefiar a que viria ao Brasil e percorreria as capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.

A expedição, conhecida como “Viagem Filosófica”, foi iniciada em 1783. Além do naturalista, era integrada pelo jardineiro botânico Agostinho do Cabo e pelos desenhistas Joaquim José Codina (1700-1790) e José Joaquim Freire (1760-1847). Com poucos recursos materiais e barcos precários, o grupo percorreu quase 40 mil quilômetros no interior da América portuguesa, coletando espécimes e registrando suas impressões. O resultado foi um vasto acervo, composto de diários, mapas populacionais e agrícolas – relativos tanto às espécimes nativas, como a culturas introduzidas na região, entre as quais o índigo, o cacau e o café –, relatórios sobre as vilas e suas capacidades de defesa e memórias sobre Zoologia, Botânica e Antropologia. Além disso, os desenhistas produziram registros iconográficos, relativos à fauna, flora, aos tipos humanos, utensílios e ainda à arquitetura de vilas e cidades no norte do Brasil.


[Coumo utilis Muell]


Ao longo dos nove anos e três meses que durou a expedição, os espécimes reunidos foram enviados ao Real Gabinete de História Natural, em Lisboa. Ali, muitos dos desenhos originais de Freire e Codina foram duplicados, chegando ao conhecimento de cientistas de toda a Europa. Anos depois, um revés: as tropas napoleônicas que invadiram Portugal em 1807 confiscaram parte das ilustrações e espécimes, levando-os para a França. Isso acarretou a perda de parte dos documentos, bem como a confusão entre desenhos originais e reproduções.

Com a morte de Ferreira, a 23 de abril de 1815, os manuscritos que restavam em Portugal passaram à guarda do Real Museu d’Ajuda. Ali permaneceram até 1838, quando foram transferidos para a Academia Real de Ciências a fim de ser avaliados para possível publicação. Isso, porém, não se concretizou, e os documentos se dispersaram entre instituições e colecionadores. Atualmente, o que resta da Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira divide-se entre duas instituições brasileiras – a Fundação Biblioteca Nacional e o Museu Nacional – e duas europeias, o Museu Bocage em Lisboa e o Jardin des Plantes em Paris. 

A coleção na Biblioteca Nacional (BN) é composta de 1.180 desenhos e 191 documentos textuais. O acervo vem sendo estudado por pesquisadores do mundo inteiro desde o século XIX.  Contribui para isso o inventário organizado em 1876 por Alfredo do Vale Cabral (-1894), então chefe da BN. O trabalho, publicado nos volumes 1, 2 e 3 dos “Anais da Biblioteca Nacional”, ainda é a principal referência para aqueles que desejam conhecer a “Viagem Filosófica”. Desde então, surgiu uma farta bibliografia dedicada ao tema, muitas vezes com opiniões conflitantes, já que alguns estudiosos afirmam que Ferreira não agiu com suficiente rigor científico. 

Em artigo recente, o professor Ronald Raminelli resumiu a polêmica entre os historiadores, observando que, embora os escritos de Rodrigues Ferreira tenham enfatizado os aspectos econômicos e utilitaristas dos espécimes descritos, o naturalista realizou abordagem pioneira. Entre várias contribuições originais, ele identificou algumas das etnias habitantes da Amazônia e mostrou como as roupas, armas e moradias eram indícios do grau de organização social das comunidades. Manifestou sensibilidade e interesse em compreender aspectos essenciais das coletividades humanas.

Em 2010, a Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira obteve o registro Memória do Mundo, conquista - significativa pelo fato de ser aquele o Ano Internacional da Biodiversidade. Num país como o Brasil, onde tantas espécies encontram-se ameaçadas, foi positivo reforçar a ideia do meio ambiente como patrimônio inalienável, dever a ser preservado para as gerações futuras.