O autor desta aquarela desembarcou no Brasil há exatos 200 anos, em novembro de 1817. O navio d. João VI, aqui retratado, fazia parte da esquadra que acompanhava a jovem Leopoldina de Habsburgo (1797-1826). Ela era filha do imperador da Áustria e chegava ao Rio de Janeiro para seu casamento com o príncipe dom Pedro I (1798-1834), herdeiro do trono de Portugal. Esse casamento teve consequências políticas que marcaram a história do Brasil e motivou, também, um dos mais completos levantamentos científicos já realizados sobre a natureza brasileira.

Para acompanhar o séquito de dona Leopoldina, foram reunidos diversos cientistas de renome, responsáveis por coletar material botânico, zoológico e mineralógico para o enriquecimento das coleções austríacas de história natural. Entre os objetivos deste grupo, conhecido como Missão Austríaca, estava ainda a constituição de um museu brasileiro em Viena. Inaugurado em 1821,  o museu funcionou parcialmente e acabou sendo fechado em 1836.

Nau D. João VI

Chegando ao Rio de Janeiro, o grupo de cientistas se dividiu para percorrer diferentes itinerários pelo interior do país. O médico e mineralogista Johann Emmanuel Pohl (1782-1834) viajou por Minas Gerais e Goiás. O relato desta viagem e suas impressões sobre o país estão reunidos no livro Reise im Innern von Brasilien [Viagem pelo interior do Brasil], publicado em Viena em 1832 e fartamente ilustrado com gravuras baseadas em esboços do próprio Pohl. Já a viagem do zoólogo Johann Natterer (1787-1843), que se dirigiu para Goiás e Mato Grosso, acabaria por durar 18 anos. O cientista foi dado como morto pelo governo austríaco, mas reapareceu em Belém do Pará em 1836, de onde embarcou de volta à Europa. Levou consigo grande quantidade de peças de culturas indígenas brasileiras, que ainda hoje podem ser vistas nos museus de Viena.

Entre 1818 e 1821, o botânico Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e o zoólogo Johann Baptiste von Spix  (1781-1826) cumpriram longo itinerário pelo país. Na primeira parte da viagem, foram acompanhados por Thomas Ender (1793-1875), pintor de paisagens e principal artista a integrar a Missão Austríaca. Embora tenha permanecido menos de um ano no Brasil, Ender produziu mais de 700 aquarelas e desenhos, hoje conservados na Academia de Belas Artes de Viena. Spix e Martius seguiram para Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão e Pará, percorrendo ainda o Amazonas brasileiro e seus afluentes. Quando retornaram à Europa, dedicaram-se a trabalhar na publicação do livro Reise in Brasilien [Viagem pelo Brasil] produzindo ainda outros títulos de interesse científico nas áreas da zoologia e botânica. Spix faleceu pouco após a chegada à Europa, mas Martius deu continuidade ao trabalho do companheiro de viagem e dedicou toda a vida a estudar e publicar o material coletado no Brasil. Entre as muitas edições que organizou, está a impressionante Flora Brasiliensis, a mais abrangente catalogação botânica publicada sobre a flora brasileira. Você pode consultar as imagens desta publicação aqui no portal. Em breve, também vai saber mais sobre a viagem de Spix e Martius por aqui.

É importante assinalar que dona Leopoldina, interessada e instruída nas ciências naturais, chegou a constituir uma pequena coleção de história natural no palácio de São Cristóvão. Para tanto, contou com a ajuda de seu antigo professor de mineralogia, Rochus Schüch (1788-1844), também integrante do séquito de cientistas que a acompanhou ao Brasil, e que se tornou aqui bibliotecário da corte. A coleção de dona Leopoldina deu origem ao atual Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.