Um dos temas mais recorrentes entre os registros dos artistas viajantes que passaram pelo Brasil no século XIX são as diversas funções exercidas pelos escravizados. Entre quitandeiras, barbeiros, lavadeiras e ambulantes, as amas de leite são personagens frequentes na iconografia oitocentista. A prática de delegar a amamentação às mulheres mais pobres foi importada da aristocracia europeia, comum não só no Brasil, mas em quase todas as sociedades escravistas da América. 

Uma das teorias raciais que circulavam na época afirmava que o leite da mulher negra era mais forte e abundante (essa tese caiu por terra ao longo do século XX). Por isso, nas fazendas, uma escravizada que tinha acabado de parir era transferida para a casa de seu senhor para amamentar o recém-nascido branco e tomar conta da criança em tempo integral. Seu próprio filho dificilmente tinha acesso ao leite materno e era cuidado por outras escravizadas que o alimentavam com uma papa de mandioca ou com leite animal não pasteurizado, o que contribuía para o grande número de óbitos. 

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Nas cidades, as chamadas mães pretas não trabalhavam apenas para seus senhores. Quando não havia em suas propriedades uma cativa que tinha acabado de se tornar mãe, as famílias ricas recorriam ao aluguel de escravas lactantes. Essas mulheres trabalhavam como amas de leite para mais de uma família ao mesmo tempo. Seus filhos, quando proibidos de morar com a mãe, eram vendidos, doados, abandonados na rua ou na Roda dos Expostos. 

Depois da abolição da escravidão, mulheres negras grávidas ou que tinham parido recentemente eram muito valorizadas no tráfico interno. A reprodução era estimulada por ser rentável para o mercado de escravos, mas o direito à maternidade para essas mulheres era negado. 

Quando não eram alugadas, as puérperas continuavam a trabalhar com seus filhos amarrados ao corpo. Passavam o seio por cima do ombro ou por baixo do braço para que pudessem amamentar sem interromper suas funções. 

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No final do século XIX, a maternidade passou a ser valorizada pela aristocracia, e o aleitamento materno, incentivado. Ao mesmo tempo, surgiram estudos sobre os riscos da amamentação cruzada (quando uma mulher amamenta o filho de outra). O problema é que esse novo discurso circulou pela sociedade carregado de preconceito já que grupos de médicos responsabilizaram as amas de leite pela transmissão de doenças. Essas mulheres, que antes eram imprescindíveis nas famílias ricas, passaram a ser condenadas e perseguidas. 

Hoje, a amamentação ainda é tabu. E esse tipo de prática do século XIX pode ter contribuído para a existência de mitos sobre leite forte ou fraco e a atribuição do aleitamento como atividade exclusiva para pessoas de baixa renda. Vale lembrar que o Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde (OMS) contraindicam a amamentação cruzada por conta do risco de transmissão de doenças, mas nada disso tem a ver com a cor da pele ou com a situação social das lactantes. Além disso, no Brasil, o aleitamento materno é recomendado até o bebê completar dois anos de idade.